É surpreendente que o texto comece com a leitura profética sem sequer
mencionar a leitura da Lei, que era o elemento mais importante do
ofício. De fato, a leitura profética era concebida como uma explicitação
ou uma ilustração da Lei. Os versículos 16 e 17 contam os preparativos
para a leitura profética, que Jesus tomou a iniciativa de fazer.
Qualquer homem judeu podia fazê-la, assim como a homilia, contanto que
fosse instruído e gozasse de boa reputação.
Os versículos 18 e 19 citam a passagem do livro de Isaias que Jesus
leu. De fato, Lucas associa Is 61,1-2 e Is 58,6, segundo uma prática que
era então corrente. Cita Is 61,1 e a primeira frase do v. 23. Omite,
sem razão aparente, a frase para curar os corações desanimados de Is
61,1, substituindo-a com a frase para pôr em liberdade os oprimidos,
tirada de Is 58,63. O v. 20 menciona com precisão os gestos de Jesus e
assinala a reação de curiosidade e de expectativa de parte da
assembleia.
No v. 21, Jesus toma a palavra para comentar a leitura. O v. 22
assinala uma primeira reação da assembleia. Ficam todos admirados com as
palavras de Jesus. Elas ultrapassam tudo o que podiam esperar da boca
de um conterrâneo que julgavam conhecer muito bem. Nos versículos 23 a
27, Jesus responde à surpresa e à admiração dos seus ouvintes.
Adiantando-se-lhes, começa por formular Ele próprio o desafio que eles
deviam ter na ponta da língua: “faz na tua terra o que ouvimos dizer que
tens feito em Cafarnaum”. Jesus responde ao desafio, primeiro,
declarando que nenhum profeta é bem recebido na sua terra; depois,
ilustrando a Sua declaração com os exemplos de Elias e Eliseu.
Os versículos 28 e 29 demonstram uma segunda reação da assembleia
totalmente diferente da primeira. Todos os ouvintes se enfurecem contra
Jesus, expulsam-No da cidade e tentam assassiná-Lo. O v. 30 conclui o
relato com a reação de Jesus: imperturbável e sem um ferimento, Cristo
segue o Seu caminho.
Jesus sabia que era o Filho de Deus e se apresentou aos homens que
estavam na sinagoga como sendo o cumprimento daquela promessa que estava
na leitura de Isaías, a qual Ele tinha proclamado. Enquanto alguns O
ouviam, maravilhados, outros desconfiavam dizendo: “Não é este o filho de José?” E, por isso, Jesus disse que um profeta não é bem aceito na sua terra.
Esta cena também pode acontecer conosco. Pense naquelas pessoas que
conviveram com você desde criança, que lhe viram crescer, sabem de onde
você veio, por onde passou, com quem aprendeu tudo o que sabe, e
conseguem identificar até de onde você tirou cada ideia. Para elas você
continuará sempre criança. Mesmo que faça prodígios e milagres. Pense
nos seus amigos de colégio, da universidade, do trabalho, da internet,
do seu movimento, da Igreja, da nova cidade onde você foi morar… Enfim,
das pessoas com quem você se relacionou quando já estava com algumas
idéias formadas.
Essas pessoas não lhe conhecem, não sabem de onde vieram as suas
influências. E o mais importante de tudo: acreditam que você tem algo a
adicionar ao que elas têm ou ao que elas são.
O mais surpreendente: se você acompanhou o crescimento de alguém mais
novo que você, desde criança, observe como você considera previsíveis
as atitudes e as palavras dessa pessoa. E, sem saber, acaba colocando
uma barreira que dificulta que algo venha dela para você. Foi assim que
Jesus se sentiu em Nazaré. É assim que a maioria dos profissionais se
sente em casa, principalmente quando a resolução de um problema –
doméstico ou familiar – exige que as pessoas confiem na capacidade dele.
Daí que surgiu o ditado: “Em casa de ferreiro, o espeto é de pau”.
Se Jesus nascesse nos dias de hoje, e fosse um desses garotos que
brincam na sua rua, que você praticamente viu nascer e está acompanhando
o crescimento dele e daqui há uns 20 anos ele voltasse adulto, qual
seria a sua reação? “Esse garoto? Filho de “seu” Zé, o marceneiro? Que
brincava com os meninos na rua? Só se for pra rir! Impossível! Nunca que
ele teria essa capacidade! Eu vi onde ele estudou, as travessuras que
aprontou, conheço os pais dele”. E Ele iria dizer: “De fato, um profeta
não é bem recebido em sua terra. Então os prodígios não acontecerão
aqui, mas nos lugares onde as pessoas acreditem em mim”.
A lição prática do Evangelho de hoje é: não subestimemos a capacidade
das pessoas que são próximas a nós. Muitas vezes, elas realizam
“prodígios” para os outros, mas não conseguem fazer nada em casa por não
terem abertura. Daí o ditado: “Santo de casa não faz milagres”.Louvor e Glória ao Senhor!
Padre Bantu Mendonça- Canção Nova
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