sábado, 2 de novembro de 2013

Reflexão sobre a morte por um cristão

O homem que não percebe o drama de seu próprio fim não está na normalidade mas na patologia, e deveria deixar-se curar." (Carl Gustav Jung)
A morte para o homem, radicalmente diferente de todas as outras mortes, é um sinal de que estamos abertos à transcendência... Não só porque o homem tem consciência de sua finitude, mas também pelo fato paradoxal de que a negamos!

Não queremos aceitá-la! No fundo o desejo é relativizar a morte, ou ainda negá-la, de uma forma ingênua... Negamos a morte distraindo-nos com a arte, a música, a busca da beleza, do poder, do dinheiro, em fim de sonhos e projetos. Por outro lado, viver de costas para a realidade da morte é realmente viver no engano, no auto-engano. A morte acabará por vir, lenta ou súbita, violenta ou indolor, mais cedo ou mais tarde, "morrida" ou "matada" como diz o povo, e seremos desenganados pelos médicos, enterrados pelos parentes e amigos, lembrados durante alguns anos e, ao longo das décadas, finalmente esquecidos por todos os viventes, a não ser que nos transformemos em mitos mundiais ou coisa parecida. Seremos totalmente devorados pela morte implacável.

A consciência viva de nossa morte contribui para que concentremos a atenção no essencial. A morte dos outros, dos amigos, dos familiares, mas sobretudo a inevitabilidade de minha morte é como que uma bofetada que me faz querer defender uma possível e desejável capacidade de viver depois da deterioração corporal. Não é uma bofetada na humanidade nem na ideia abstrata de vida. É uma bofetada em mim. Por que devo morrer, eu que não quero morrer?

A história da filosofia contemporânea revela o pessimismo do pensamento pós-moderno no tocante ao término da vida humana, pois, por exemplo, para o filósofo francês Jean Paul-Sartre, "a morte é sempre inoportuna" e mesmo, para Martin Heidegger que assevera que a vida humana é um "ser-para-a-morte". Em meio ao pensamento pessimista, melancólico e ateu, o pensamento cristão toca profundamente a consciência e a afetividade humana. Para o cristão, a morte é a oportunidade por excelência de aquietar o inquieto coração, que segundo Agostinho, somente encontra repouso na comunhão plena com Deus.

Para o cristão a imagem do homem como um "ser-para-a-morte", no dizer de Heidegger, é redefinido, e até mesmo, reinterpretado pelo Mistério Pascal de Jesus Cristo, que com sua paixão e morte assume o destino humano, até então possível... ou seja, Cristo ao assumir a encarnação experimenta a finitude da condição humana. Cristo morre verdadeiramente! O cristão nisto deve crer com coragem, não devemos ter medo de proclamar que "Deus está morto" e acrescentaríamos a Nietzsche: "Deus está morto e sepultado em Cristo". Chocante esta palavra, mas uma verdade de fé imprescindível de ser proclamada hodiernamente pela Igreja. Não nos esqueçamos de que negar a morte verdadeira de Cristo é assumir heresias, tais como o docetismo (dizia que Jesus não tinha um corpo real) e o apolinarismo (afirma que Jesus não tinha alma humana).

O docetismo surgiu no final do primeiro século, e ensinava que Jesus não teve um corpo real, mas um corpo aparente. Cristo teria descido do Céu e passado pelo seio de Maria, sem que tivesse recebido a mínima partícula de corpo humano. Por isso, Jesus parecia um homem, mas não o era. Segundo essa doutrina, a morte e ressurreição do Senhor teriam sido também "aparentes", uma vez que seu corpo não era real. Para eles, o corpo humano estava intimamente ligado ao pecado. Era coisa indigna do filho de Deus.

A reta fé cristológica exige de nós a compreensão de que Cristo morreu de verdade, não foi uma morte aparente. Esta afirmação choca a muitos piedosos cristãos e mesmo alguns iniciados na teologia, pois lhes custa muito perceber que em Jesus havia duas naturezas: humana e divina, na mesma pessoa, mas sem confusão, mistura e muito mesmo, sem que a natureza divina suplantasse a humana. A Igreja desde o Concílio de Calcedônia, celebrado no ano 451, afirma que Jesus é plenamente Deus e plenamente homem. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ou seja, Jesus não é 80% Deus e 20% humano... Mas, 100% da natureza divina e 100% da natureza humana.

O homem hodierno encontra no cristianismo a certeza que posso autotranscender-me, que posso ir além do que já sou e do que já possuo. O cristianismo me propõe novos objetivos, novos sentidos e novas conquistas... em fim a caminhar! A Boa Nova de Cristo é que as pessoas ressuscitarão, a morte não é a palavra final. O cristão pela Iniciação Cristã (batismo, crisma e eucaristia) é configurado a pessoa de Cristo Ressuscitado, eu, também ressuscitarei. O cerne da fé cristã é amar profundamente a Deus, a si mesmo e ao próximo, e entender que mudar o coração é o primeiro passo para dar a qualquer outra realidade um novo sentido, inclusive à nossa morte.

Neste contexto, a morte deixa de ser o fim e se transforma numa fronteira, deixa de ser um muro e se torna uma passagem, deixa de ser um abismo e se torna uma ponte. Se é evidente que sofreremos uma morte biológica, não é tão evidente que a pessoa que eu sou morrerá com o corpo que vai cair e apodrecer. O cristianismo afirma que eu não morrerei para sempre. A morte faz parte do meu drama pessoal, da minha biografia. Mas posso interpretar minha morte como um ponto de partida (terminus a quo) e não mais como um ponto de chegada (terminus ad quem).

Por fim, o homem de fé pode retomar o pensamento nietzschiano e parafraseá-lo: em Cristo sepultado "Deus está morto", mas no terceiro dia, como dizem as Escrituras, Ressuscitou. Agora é um "Deus vivo" que experimentou a morte para conduzir o homem à ressurreição. Termino evocando a beleza e a verdade presente na arte, no caso, na poesia de Manuel Bandeira, quando se refere à morte em "A Mário de Andrade Ausente": "[...] Você não morreu: ausentou-se".

Por: Ms. VANDERSON DE SOUSA SILVA

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