domingo, 5 de julho de 2015

O Plano Municipal de Educação

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)

Reporto-me neste artigo a uma pergunta dirigida a um grupo de pessoas que na Câmara Municipal de Sorocaba, quando da votação do Plano Municipal de Educação, se opunha à introdução da “ideologia de gênero” como parte do eixo que deveria presidir o processo educativo em nossas escolas. A pergunta foi essa: “vocês conhecem, estudaram as propostas?” É verdade, infelizmente, nas assembleias “populares” estavam ausentes representações das Igrejas e de outras instituições da sociedade. Essa ausência pode se explicar a partir de duas razões: a) as referidas instituições não foram suficientemente informadas; b) se informadas, julgaram ser tarefa do Executivo, assessorado por especialistas, com participação do Conselho Municipal de Educação, elaborar o projeto a ser enviado ao legislativo Municipal.

De minha parte confesso que fui surpreendido, duas ou três semanas antes, pelas propostas do Fórum Municipal, já em fase de conclusão, estruturadas a partir da do Fórum Nacional de Educação que reintroduziu em suas orientações a “ideologia de gênero” que havia sido retirada do PNE - Plano Nacional de Educação -, votado no Congresso Nacional e sancionado pela Presidente da República.  Assim prescrevia o Fórum Nacional em seu eixo II: Educação e Diversidade: Justiça Social, Inclusão e Direitos Humanos: “O tema Educação e diversidade: justiça social, inclusão e direitos humanos constitui o eixo central da educação e objeto da política educacional. Diz respeito à efetivação da educação pública democrática, popular, laica e com qualidade social, banindo o proselitismo, o racismo, o machismo, o sexismo, a homofobia, a lesbofobia e a transfobia nas instituições educativas de todos os níveis, etapas e modalidades.”
Note o leitor que a nota dominante daquilo que deveria ser o eixo da educação em nosso país vem expresso com o verbo “banir”, com forte acento nas questões de “gênero”.  O eixo seria “desconstruir”, quando o processo educativo deve ser uma construção. O pressuposto é que até agora a educação teve como eixo a “fobia” em suas mais variadas formas. A proposta, portanto, teria um eixo negativo: banir as fobias.
Volto agora á interpelação com a qual se pretendeu desqualificar o significado da presença de uma incontestável maioria popular no dia da votação do PME : “vocês conhecem, estudaram as propostas?” Eu não conhecia até o dia em que me foram apresentadas. E a maioria absoluta do povo também não conhecia. Tive a oportunidade, em algumas missas de domingo, de perguntar em assembleias litúrgicas com um grande número de participantes, se sabiam, e o que sabiam, sobre o Plano Municipal de Educação, e pude constatar que a totalidade das pessoas desconhecia o Projeto bem como as questões controversas que se pretendia incluir no mesmo.
Ao explicar que, com o objetivo de combater a injusta discriminação por razões de orientação sexual  - um objetivo nobre -, o Fórum Municipal propunha práticas educativas que relativizavam o conceito de matrimônio e família, insinuando uma diversidade sexual contrária  à experiência milenar da humanidade, era de se ver o rosto de espanto dos presentes. Pude assim sentir que o “Fórum Municipal de Educação” não representava o povo, mas uma parcela pequena de nossa gente.
Propunha-se na meta 1.30: “Trabalhar os ideais de igualdade e diversidade na perspectiva de RECONHECER E RESPEITAR, DELIBERANDO COLETIVAMENTE ESTRATÉGIAS PARA VALORIZAÇÃO DOS DIFERENTES TIPOS DE FAMÍLIA, pontuando que não existe família certa ou errada, o que importa é o cuidado, o carinho e o sentimento, construindo assim um espaço acolhedor na escola e nas atividades que preveem a participação da comunidade, promovendo assim a proteção e defesa do direito das crianças à convivência familiar e comunitária.
E na Introdução, em “Análise e Diagnóstico”, n. 4.4, diretriz 5 pedia-se a ”atenção à diversidade e Direitos Humanos”, explicitando: “gênero, diversidade sexual, direito de uso do nome social e o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero quando houver de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.”
Teríamos por enquanto os seguintes “banheiros, vestiários e demais espaços” (?): masculinos, femininos, lésbicos, gays, bis e trans. Estou imaginando que sobreviveriam os gêneros masculino e feminino.
Observo para o leitor que o vocábulo “gênero” na literatura deste gênero é um conceito bastante confuso.
Os poderes executivo e legislativo de nossos municípios, ao retirarem do plano Municipal de Educação as propostas da “ideologia de gênero”, colocaram-se em sintonia com o sentir do povo e com a verdade atestada pela ciência, pela história e proclamada pela Escritura judaico-cristã: “Deus fez a humanidade á sua imagem e semelhança, Homem e Mulher” (Gn  1,27). Concluo com a palavra do Papa Francisco que, na audiência geral de 15 de abril perguntou se tal ideologia "não é uma expressão de frustração e resignação, que visa apagar a diferença sexual porque não sabe mais lidar com ela". O papa observou ainda que a remoção da diferença é "o problema, não a solução". Aos bispos de Porto Rico em visita ‘ad limina’, o papa afirmou: "as diferenças entre homens e mulheres não são para contraposição ou subordinação, mas para comunhão e geração, sempre à imagem e semelhança de Deus". E dois dias depois pediu aos bispos da Estônia e da Letônia, para "promoverem a família como dom de Deus para a realização do homem e da mulher criados à sua imagem e como célula fundamental da sociedade". No domingo seguinte, abrindo o Congresso Eclesial da Diocese de Roma, Francisco se dirigiu às famílias incentivando-as a enfrentar a batalha contra a "colonização ideológica" sub-repticiamente introduzida nas escolas italianas e "que envenena a alma e a família". Esse veneno, que mina as bases biológicas e antropológicas do homem, é mais prejudicial que o veneno que se dissolve nos oceanos ou que penetra nas raízes de árvores seculares: ele pode corroer até demolir a humanidade, porque mata a propensão ao encontro entre homem e mulher como ocasião e condição essencial para a reprodução da espécie humana. No terceiro capítulo, “Ecologia da vida cotidiana”, nº 155, a encíclica “Laudato sì” aborda com muita clareza a ideologia de gênero, mesmo sem nunca mencioná-la explicitamente. "A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como um dom do Pai e como casa comum; já uma lógica de domínio sobre o próprio corpo se torna uma lógica às vezes sutil de domínio sobre a criação". Portanto, "aprender a acolher o próprio corpo, cuidar dele e respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana". E "também apreciar o próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade é necessário para se reconhecer no encontro com o outro diferente. Desta forma, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus Criador, e enriquecer uns aos outros". Assim, conclui com palavras inequívocas, "não é sadia uma atitude que pretenda apagar a diferença sexual por não saber mais lidar com ela”.
Fonte: CNBB

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