A posição da Santa Sé em vista do Comitê Preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio +20
ROMA, sexta-feira, 15 de junho de 2012 (ZENIT.org) – Publicamos aqui a Position Paper
da Santa Sé por ocasião da III sessão do Comitê Preparatório da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio +20,
assimo como foi publicada pelo L’Osservatore Romano em língua italiana
na tarde de ontem em Roma.
1. Introdução
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
Rio +20, representa um importante passo de uma caminhada que
proporcionou significativas contribuições para uma melhor compreensão do
conceito de desenvolvimento sustentável, bem como das interações
daqueles que são considerados os três pilares deste conceito: o
crescimento econômico, a proteção do ambiente e a promoção do bem-estar
social. Tal caminho começou em Estocolmo no distante 1972 e passou por
dois momentos cruciais no Rio de Janeiro em 1992, com a assim chamada Earth Summit , e em Joanesburgo em 2002.
No contexto dessa caminhada emergiu um consenso unânime sobre o fato
de que a tutela do ambiente passa pela melhoria de vida dos povos, e
vice-versa, que a degradação ambiental e o subdesenvolvimento são temas
altamente interdependentes entre si e devem ser enfrentados em conjunto
de forma responsável e solidária.
Em todos estes eventos internacionais, a presença da Santa Sé foi
caracterizada não tanto pela promoção de soluções técnicas específicas
para as diferentes problemáticas envolvidas na busca de um correto
processo de desenvolvimento sustentável, mas especialmente no sublinhar
como não é possível reduzir à problema “técnico” o que afeta a dignidade
do homem e dos povos: não é possível, de fato, confiar o processo de
desenvolvimento somente à técnica, porque senão isso permaneceria sem
orientação ética. A busca de soluções a tais problemáticas não pode ser
separada da nossa compreensão do ser humano.
É o ser humano, de fato, que vem em primeiro lugar. Vale a pena
lembrá-lo. É a pessoa humana que deve estar no centro do desenvolvimento
sustentável. A pessoa humana, que é responsável pela boa gestão da
natureza, não pode ser dominada pela técnica e tornar-se objeto dela.
Tal consciência deve levar os Estados a refletirem juntos sobre o futuro
a curto e médio prazo do planeta, evocando as suas responsabilidades
pela vida de cada pessoa, bem como pelas tecnologias úteis para ajudar a
melhorar a qualidade.
Adotar e incentivar em todas as circunstâncias um modo de vida que
respeite a dignidade de cada ser humano e sustentar a pesquisa e a
exploração de energia e tecnologias adequadas que preservem o patrimônio
da criação e não causem perigo para o ser humano devem ser prioridades
políticas e econômicas . Neste sentido, é necessário rever a nossa
abordagem da natureza, que é o lugar onde nasce e interage o ser humano,
a sua “casa”.
A mudança de mentalidade nesta matéria e as obrigações que isso traz
devem permitir alcançar rapidamente uma arte do viver juntos que
respeite a aliança entre o ser humano e a natureza, sem a qual a família
humana corre o risco de desaparecer. É necessário fazer uma reflexão
séria e propor soluções precisas e sustentáveis; reflexões que não devem
ser ofuscadas por interesses políticos, econômicos ou ideológicos
cegamente partidários, que tendem de modo míope a privilegiar o
interesse particular sobre a solidariedade.
É verdade que a técnica dá para a globalização um ritmo especialmente
acelerado, mas deve-se reafirmar a primazia do ser humano sobre a
técnica, sem a qual corre-se o risco de uma perda existencial e uma
perda de senso da vida. O fato de que a tecnologia corra mais rápida do
que tudo faz com que as sedimentações dos porquês sejam sistematicamente envolvidas pela urgência do como e não tenham portanto o tempo de solidificar-se.
É, portanto, importante chegar a combinar a técnica com uma forte
dimensão ética baseada na dignidade da pessoa humana (cf. Bento XVI,
durante a apresentação coletiva da Cartas Credenciais de alguns
embaixadores, 09 de junho de 2011).
Nesta perspectiva, convém sublinhar como a dignidade do ser humano
está intimamente ligada aos direitos de desenvolvimento, a um ambiente
saudável e à paz; estes três direitos destacam as dinâmicas das relações
entre as pessoas, a sociedade e o ambiente; Isso estimula a
responsabilidade de cada ser humano consigo mesmo, com o próximo, com a
criação e, em última instância, com Deus. Responsabilidade que envolve a
análise criteriosa do impacto e das consequências das nossas ações, com
especial atenção para os mais pobres e para as gerações futuras.
2. A centralidade do ser humano no desenvolvimento sustentável
Portanto, é essencial colocar o fundamento da reflexão da Rio+20 no
primeiro princípio da Declaração do Rio sobre Ambiente e
Desenvolvimento, aprovada na Conferência do Rio de Janeiro de junho de
1992, reconhecendo a centralidade do ser humano, afirma que “os seres
humanos estão no centro das preocupações relativas ao desenvolvimento
sustentável. Eles têm direito a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com a natureza”.
Colocar o bem do ser humano no centro da atenção do desenvolvimento
sustentável é, de fato, a forma mais segura para a sua realização, bem
como para promover a proteção da criação; assim, como mencionado,
estimula-se a responsabilidade de cada um com os outros, com os recursos
naturais e com o seu uso criterioso.
Além disso, partir da centralidade do ser humano e da sua dignidade
leva a evitar os riscos de adotar uma abordagem reducionista e ineficaz
de caráter neo-malthusiano, que vê o ser humano como um obstáculo ao
desenvolvimento sustentável.
Não há oposição entre o ser humano e o ambiente, mas há uma aliança
estável e inseparável na qual o ambiente condiciona a existência e o
desenvolvimento do ser humano, enquanto que este último aperfeiçoa e
enobrece o ambiente com a sua atividade criativa, produtiva e
responsável. É essa aliança que deve ser reforçada; uma aliança que
respeite a dignidade do ser humano desde a concepção; e aqui deve-se
ressaltar também que o termo “igualdade de gênero” significa a igual
dignidade entre homens e mulheres.
3. Necessidade de uma revisão profunda e de longo alcance
Nas últimas 4 décadas verificaram-se mudanças muito significativas no
âmbito da comunidade internacional, é só pensar nos extraordinários
progressos nos conhecimentos técnico-científicos que foram aplicados em
setores estratégicos para a economia e a sociedade, tais como
transportes, energia e comunicações. Progressos extraordinários que
chocam-se com as distorções e os dramáticos problemas do desenvolvimento
de muitos Países, e com a crise econômico-financeira que a maioria da
sociedade está experimentando.
Estas questões interpelam cada vez mais a comunidade internacional
para uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus
fins, bem como a uma revisão profunda e completa do modelo de
desenvolvimento, para corrigir as suas falhas e distorções. Exige-o, na
verdade, o estado de saúde ecológica do planeta; acima de tudo o requer a
crise cultural e moral do homem, cujos sintomas têm sido evidentes em
cada parte do mundo (cf. Bento XVI, Caritas in veritate, n. 32).
Com base nestes pressupostos, a Santa Sé, no contexto do processo da
Rio +20, gostaria de concentrar-se especialmente sobre alguns aspectos,
que têm claras repercussões éticas e sociais em toda a humanidade.
Um primeiro aspecto diz respeito ao fato de que esta redefinição de
um novo modelo de desenvolvimento, que também a Rio +20 quer contribuir,
deve ser permeado e ancorado nos princípios que são pilares da efetiva
proteção da dignidade humana. Tais princípios sustentam a correta
implementação de um desenvolvimento que tenha um foco especial nas
pessoas em situações mais vulneráveis e garantam portanto o respeito da
centralidade do ser humano. Estes princípios põe em causa:
- A responsabilidade, também no que diz respeito à necessária mudança
de padrões de produção e consumo para que sejam reflexo de um
apropriado estilo de vida;
- A promoção e a partilha do bem comum;
- O acesso aos bens primários, incluindo aqueles bens essenciais e
fundamentais, como a nutrição, a educação, a segurança, a paz, a saúde;
neste último caso, deve ser sempre lembrado que o direito à saúde
decorre do direito à vida: o aborto e a contracepção são ferramentas que
se opõem gravemente à vida e não podem ser consideradas questões de
saúde; a saúde corresponde de fato, à cura e não a meros serviços: esta
mercantilização dos cuidados sanitários coloca as questões técnicas
sobre aquelas humanas;
- Uma solidariedade com dimensão universal, capaz de reconhecer a unidade da família humana;
- O cuidado da criação, por sua vez conectada com a equidade entre
gerações; no entanto, a solidariedade intergeracional requer levar em
consideração as capacidades das gerações futuras para superar as
dificuldades do desenvolvimento;
- A equidade intrageracional, que está intimamente ligada à justiça social;
- O destino universal não somente dos bens mas também dos frutos da atividade humana.
Estes princípios deveriam estar adesivados naquela “visão
compartilhada” que ilumina o caminho da Rio +20 e da pós Rio+20. Além
disso, Rio +20 poderia dar uma contribuição para a redefinição de um
novo modelo de desenvolvimento ainda mais significativo quanto mais o
debate que emergir da Conferência tender a construir esse modelo de
desenvolvimento nestes princípios.
4. O princípio da subsidiariedade e o papel da família
Outro princípio fundamental é o da subsidiariedade, como reforço
daquele governo internacional para o desenvolvimento sustentável, que é
um dos principais objetos de discussões da Rio+20. Hoje, o princípio da
subsidiariedade, também na Comunidade internacional, é cada vez mais
visto como instrumento de regulação das relações sociais e, portanto,
contribui para a definição de regras e formas institucionais.
Uma correta subsidiariedade pode permitir às autoridades públicas, a
partir do nível local até o nível mais amplo de dimensão mundial,
obrarem de modo eficaz para a valorização de cada pessoa, para a
preservação dos recursos e para a promoção do bem comum.
No entanto, o princípio de subsidiariedade deve permanecer
intimamente ligado ao princípio da solidariedade e vice-versa, porque se
a subsidiariedade sem a solidariedade cai no particularismo social, é
igualmente verdade que a solidariedade sem a subsidiariedade cai no
assistencialismo que humilha o portador de necessidades. (cf. Bento XVI,
Caritas in veritate, n. 58).
E isso deve ser ainda mais ressaltado nas reflexões de caráter
internacional, como as dea Rio +20, onde a aplicação destes dois
princípios deve-se traduzir na adoção de mecanismos voltados para
combater as iniquidades existentes entre e dentro dos Estados e,
portanto, favorecer: a transferência de tecnologias adequadas a nível
local, a promoção de um sistema comercial global mais justo e inclusivo,
o respeito dos compromissos assumidos com relação à ajuda ao
desenvolvimento, a identificação de novos e inovadores instrumentos
financeiros que coloquem no centro da vida econômica a dignidade humana,
o bem comum e a salvaguarda da criação.
No campo da aplicação do princípio de subsidiariedade, é importante
além do mais reconhecer e valorizar o papel da família, célula fundante
da nossa sociedade humana como consagrado pelo Art. 16 da Declaração dos
Direitos Humanos. Além do mais, essa é a última linha de defesa do
princípio de subsidiariedade contra os totalitarismos.
Com efeito, é na família que começa aquele fundamental processo
educativo de crescimento de cada pessoa, no qual tais princípios podem
ser assimilados e transmitidos às gerações futuras.
Além disso, é no seio da família que o homem recebe as primeiras e
determinantes noções sobre a verdade e o bem, aprende o que quer dizer
amar e ser amados e, portanto, o que quer dizer em concreto ser uma
pessoa (cf. João Paulo II, Centesimus Annus, 39).
A discussão sobre o “quadro internacional para o desenvolvimento
sustentável” deveria ser portanto ancorada a um princípio de
subsidiariedade, que valorize plenamente o papel da família, unido ao da
solidariedade, tendo como elementos fundamentais o respeito pela
dignidade humana e a centralidade do ser humano.
5. O desenvolvimento sustentável como parte do desenvolvimento humano integral
Um terceiro aspecto que visa promover a Santa Sé, no quadro do
processo da Rio +20 é a conexão entre o desenvolvimento sustentável e o
desenvolvimento humano integral. Ao lado do bem estar material e social
devem ser considerados os valores éticos e espirituais que orientam e
dão significado às escolhas econômicas e portanto ao progresso
tecnológico, dado que cada decisão econômica tem uma consequência de
caráter moral. A esfera técnico-econômica não é nem eticamente neutra
nem desumana e anti-social por natureza. Pertence à atividade humana e,
porque humana, deve ser estruturada e regida eticamente (cf. Bento XVI,
Caritas in veritate, nn. 36 e 37).
Claro, esse é um desafio complexo, mas, além disso, deve-se apoiar a
importância de passar de um desenvolvimento meramente econômico a um
desenvolvimento integralmente humano nas suas dimensões: econômica,
social e ambiental (cf. Angelus de João Paulo II do 25 de Agosto de
2002, no domingo anterior ao início da Cúpula de Johannesburg) que parte
da dignidade de cada pessoa.
Isso significa ancorar sempre mais os três pilares do desenvolvimento
sustentável em uma dimensão ética baseada, precisamente, sobre a
dignidade humana. Tal desafio pode ser concretamente enfrentado no
início daquele processo dirigido à identificação de uma série de
“Objetivos do desenvolvimento sustentável” – Sustainable Development
Goals, promovendo um trabalho de inovação sobre a modulação de velhos e
novos indicadores do desenvolvimento no breve e no longo período;
indicadores capazes de individualizar de modo eficaz a melhoria ou não
nos aspectos não somente econômicos, sociais ou ambientais do
desenvolvimento sustentável, mas também naqueles éticos, pondo em causa
necessidades e recursos, e também o acesso a bens e serviços, tanto
materiais quanto imateriais.
6. A economia verde e o desenvolvimento humano integral
Uma quarta área de interesse para a Santa Sé diz respeito à economia
verde. Conforme destacado pelo debate realizado durante as reuniões
preparatórias da Rio +20, não faltam preocupações sobre a transição para
uma “economia verde”. Este conceito, que demora para encontrar uma
clara definição, potencialmente poderia dar uma importante contribuição
às causas da paz e da solidariedade internacionais.
No entanto, é importante que seja aplicado de forma inclusiva,
orientando-o claramente à promoção do bem comum e à erradicação local da
pobreza, elemento essencial para alcançar o desenvolvimento
sustentável. Deve-se também evitar com cuidado que a economia verde dê
lugar a novas formas de “condicionamentos” do comércio e da assistência
internacional, tornando-se uma forma escondida de “protecionismo verde”.
Mas é igualmente importante que a economia verde tenha como foco
principal o desenvolvimento humano integral. Nesta perspectiva, e tendo
em vista a identificação de modelos de consumo e de produção
apropriados, a economia verde pode se tornar um instrumento importante
para promover um trabalho decente, capaz de favorecer um crescimento
econômico que respeite não apenas o ambiente, mas também a dignidade do
ser humano.
É desejo da Santa Sé que tudo que emerja da Rio +20 seja considerado
não somente um bom resultado mas também e acima de tudo um resultado
inovador e capaz de olhar para o futuro, contribuindo para o bem estar
material e espiritual de todas as pessoas, das suas famílias e
comunidades.
[Tradução do original italiano por Thácio Siqueira]
–
“Tirem Cristo da minha vida e tudo desabará como um corpo a que se retirasse o esqueleto, o coração e a cabeça.”
(Pe. Arrupe, SJ)
(Pe. Arrupe, SJ)
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