“Se
sua mística não se transformar em compaixão, não está vivendo na
verdade. É preciso movimentar-se nos dois polos: subir a Deus para
descer aos humanos”
Padre Almir Magalhães*
Vou me inspirar num dos maiores místicos
do século XX, Thomas Merton, para consolidar esta reflexão. Monge
Trapista, nascido em 31 de janeiro de 1915 e falecido de forma curiosa
em 10 de dezembro de 1968, sendo considerado um mártir. Era da Abadia de
Gethsemani, Kentucky, centro-sul dos Estados Unidos. Escritor, Poeta e
Ativista Social.
Como referência, tomo as indicações de
uma excelente publicação, de autoria de Antonio Getúlio Bertelli (um
estudioso de Merton), intitulado Mística e compaixão – a teologia do
seguimento de Jesus em Thomas Merton (Paulinas, 2008).
Para este monge, o conceito de compaixão
é um corretivo de mística: “nenhuma mística é autêntica se não se
converte em compaixão”. A compaixão implica desta forma uma
responsabilidade sobre o outro, sobretudo os que estão em situação de
abandono e de exclusão. Sendo assim, “a compaixão corrige e equilibra a
mística: a experiência do encontro com o mistério de Deus não se dá
unicamente na interioridade fechada, mas na exterioridade face a face
com o outro” (cf. A. Getúlio, p. 18).
Aqui aponto para o título deste artigo –
a mística deste autor é apresentada segundo um duplo movimento –
vertical: subir para Deus, ter este encontro com o mistério divino e
outro movimento horizontal: descer aos humanos. Daí se conclui que a
plenitude da espiritualidade do seguimento se dá não de forma
unilateral, eu e meu Deus, mas quando este encontro provoca a compaixão,
a solidariedade, com a situação dos outros. Esta situação tem nomes,
locais, endereços e é fácil de ser encontrada em nossos bairros e
paróquias.
Parece que há, no nosso entender, uma
lacuna e um descompasso entre a espiritualidade de Merton com a
espiritualidade predominante, na medida em que sobrevivemos
espiritualmente numa verticalidade, num olhar para cima e ter vontade de
armar nossas tendas no êxtase, na catarse, no bem-estar que esta
incomensurável experiência proporciona (cf. Mt. 17, 1-5 – Cena da
transfiguração: Como é bom estarmos aqui Senhor! Vamos armar três
tendas…).
Não estou descaracterizando esta
espiritualidade, mas refiro-me à lacuna, ao descompasso, e que para a
espiritualidade ter sua completude precisa de um outro elemento – descer
aos humanos.
O atual papa, quando do discurso
inaugural da Conferência de Aparecida no dia 13 de maio de 2007, afirmou
que “santidade não é fuga para o intimismo ou para o individualismo
religioso, tampouco abandono da realidade urgente dos grandes problemas
econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, muito
menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual”. (DI n.
3 e no Doc. 148). Vê-se, portanto, que o papa assina embaixo, com esta
sua afirmação, das ideias de Merton.
Relevante também na espiritualidade de
Thomas Merton é que ele une mística e profecia. Diante do seu contexto,
vivendo num país poderoso, foi o primeiro padre católico a denunciar a
violência no seu país, a imoralidade da guerra do Vietnã, a condenar o
uso da bomba atômica numa suposta “guerra justa”. Sobre a guerra contra o
Vietnã, “considerou chocante e antievangélica a atitude do cardeal
Francis Spellman, arcebispo de Nova York, abençoando os canhões que
iriam destruir milhares de vidas humanas, crianças, mulheres e adultos
no Vietnã”. (Fato já bastante conhecido e de domínio público, citado no
livro de A. Getúlio, p. 80).
Acredito que o conhecimento dos escritos
deste místico, pode nos ajudar a entender o que significa uma
espiritualidade do seguimento de Jesus. Sua experiência de conversão
teve um processo e um ritmo – do mundo ao mosteiro, vivendo o paradigma
clássico de desprezo ao mundo, fuga mundi. Depois de viver 17 anos como
monge, percebeu que não há oposição, mas sim distinção entre sagrado e
profano, natural e sobrenatural. Em 1958, acorda: Se sua mística não se
transformar em compaixão, não está vivendo na verdade. Cada um tem o seu
processo, mas é preciso movimentar-se nos dois polos: subir a Deus para
descer aos humanos.
*Padre
Almir Magalhães é diretor e professor da Faculdade Católica de
Fortaleza, Seminário da Prainha e mestre em Missiologia pela Pontifícia
Universidade Gregoriana, em Roma.
Fonte: Jornal do Povo (08 de julho 2012). Caderno Espiritualidade. Leia em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2012/07/07/noticiasjornalespiritualidade,2874017/subir-para-deus-descer-aos-humanos.shtml
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