Por Almir Magalhães*
“Pensemos nos que abandonam a proposta de vida apresentada por Jesus mas continuam em seu seio, atenuando a referida proposta”
Iniciando o mês de setembro, para nós
cristãos católicos considerado como o mês da Bíblia, nada melhor do que
uma contribuição neste sentido.
O título desta reflexão não se reduz
apenas ao contexto do capítulo seis do Evangelho de São João e em
especial aos versículos 60-69. O olhar, baseado no questionamento de
Jesus, deve se voltar para toda a sua mensagem transmitida e
testemunhada, portadora de sentido e felicidade para a vida, mas
exigente, que requer renúncias as mais diversas.
Nem sempre estamos dispostos a
assumi-las, seja pela mentalidade de comodismo da sociedade atual que
nos atinge, seja pela forma light de entendermos a religião hoje em dia,
reduzida hegemonicamente à dimensão terapêutica e fundamentada na
teologia da prosperidade e de matriz neopentecostal.
Retomando o texto objeto desta reflexão,
o que se percebe? Como à época a comunidade cristã era perseguida e
discriminada, muitos discípulos buscavam outros caminhos e até se
perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um caminho tão radical
e de tanta exigência? Os interlocutores de Jesus percebem claramente
que Jesus os tinha colocado diante de uma opção fundamental, mas não se
identificaram com Ele, pois estavam instalados em seus esquemas.
Preferem viver dentro de uma lógica das satisfações imediatas, não estão
dispostos a renunciar a seus projetos e de realização humana, não estão
dispostos a embarcar no caminho de Jesus, a arriscar e o abandonam.
Interessante! Estes discípulos estavam
seguindo Jesus, mas talvez por razões consideradas erradas, como a
glória, o poder, a riqueza fácil, a ambição, o êxito e no confronto da
radicalidade do Evangelho consideram que “estas palavras são duras” e
desistem de seguir Jesus.
Estas palavras põem claramente para os
cristãos dos tempos atuais as opções que somos convidados e desafiados a
fazer, ou seja, a conformar a própria vida com a lógica apresentada por
Jesus em toda a sua vida e registrada nos Evangelhos ou edificar a vida
a partir de uma outra lógica, muitas vezes marcada por sinais de morte.
A questão que se coloca é que continuam a
fazer parte da comunidade cristã, participando da Eucaristia,
comungando, presentes nos grandes eventos ofertados pela Igreja, mas com
aquela separação já indicada pelo papa Paulo VI na Exortação Apostólica
Evangelii Nuntiandi, n. 20, “a ruptura entre a fé e a vida é o drama de
nossa época”.
Na sequência do texto, Jesus se volta
para os Doze e pergunta: “E vós não quereis partir? Simão Pedro
responde: Senhor a quem iríamos? Tu tens palavras de vida eterna” (vv.
67-68). Aceitam a proposta de Jesus e querem segui-lo. Representam os
que querem arriscar na radicalidade do Evangelho.
A pergunta que fica: Será que a
categoria daqueles que deserdaram é rara nos dias atuais? Não vamos
pensar só naqueles que abandonam a Igreja. Eles podem apenas mudar de
igreja. Pensemos nos que abandonam a proposta de vida apresentada por
Jesus mas continuam em seu seio, atenuando a referida proposta,
edificando a vida numa visão light da existência, adaptando a
Palavra de Deus de forma que ela sirva
aos seus interesses, suavizando a Palavra de forma que ela não seja tão
exigente, como ocorre no texto citado e acabam relativizando aquilo que
incomoda.
Para concluir, vale a pena destacar duas
indicações bíblicas que complementam esta reflexão: Gálatas 1,10 –
“Quem quer agradar não pode ser discípulo de Jesus” -, e Hebreus, 2,1 –
“Devemos levar mais a sério a Palavra recebida, se não quisermos perder o
rumo”.
* Almir Magalhães é sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza, diretor e professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
Artigo publicado no Jornal O povo, leia em http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2012/09/08/noticiasjornalespiritualidade,2915601/esta-palavra-e-dura.shtm
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