O sistema se baseava nos pólos – puros e impuros. A pureza indicava as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus no Templo (cf. C. Mesters, com Jesus na contramão, p. 24). Neste sentido, o povo tinha uma grande preocupação com a pureza, pois quem não era puro não podia chegar perto de Deus (Mt. 9,9-12).
No capítulo 23 do Evangelho de Mateus Jesus pronuncia os famosos sete “ais”, todos eles dirigidos a estes dois grupos e de forma ousada e profética; nesta seção, chama-os ora de “hipócritas”, ora de “Guias Cegos”, de “Insensatos”, e de “sepulcros caiados”, predomina o adjetivo hipócrita.
Evidentemente que Jesus não age desta forma, manifestando ódio para com os mesmos, mas fazendo uma catequese para que eles pudessem entrar na dinâmica da conversão e consequentemente do Reino de Deus, na novidade do que ele representava, já que o rosto de Deus que eles manifestavam contradizia frontalmente o Deus que Jesus representava.
Do conjunto da coletânea de advertências contra escribas e fariseus, o termo mais usado é a hipocrisia, por se tratar de uma atitude do sistema religioso que eles representavam, fechando-se no seu prestígio e poder, julgavam-se justos e santos e disto os Evangelhos dão conta (cf. o ex. da cena do Fariseu e do Publicano – Lc. 18, 9-14; a questão do jejum em Mc. 2,18ss.). No sistema por eles defendido o que prevalecia de fato eram os ritos externos, a formalidade.
A partir do texto aqui referenciado, destaco o versículo 23 :“Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dizimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, enquanto descuidais o que há de mais grave na lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade; é isto que era preciso fazer, sem omitir aquilo”.
A referência é muito clara e não precisa de grandes comentários acadêmicos – os interlocutores de Jesus, como já se sabe, viviam da exterioridade, da formalidade, do cumprimento da lei amplamente denunciado neste capítulo de Mateus. Na sequência, Jesus dá um ensinamento novo a partir também de suas práticas, por exemplo, confraternizando-se com pessoas impuras como eram os publicanos e pecadores (Mc. 2, 15-17), tocar em leprosos, comer sem lavar as mãos, tocar em cadáver e isto evidentemente tornava Jesus, na concepção da época, uma pessoa impura pelo contato com estes pecadores e isto impedia a presença de Deus.
Agora vamos puxar a reflexão construindo uma ponte entre a abordagem até aqui desenvolvida e o nosso tempo: prefiro fazer isto em primeiro lugar fazendo duas perguntas- para você caro leitor existe algo parecido hoje em dia?
Por gentileza, interessante não fazer uma interpretação fundamentalista, mas levar em consideração a formalidade, as questões de visibilidade que a Igreja tem hoje através de grandes eventos de massa, da mídia católica, do estilo neo-pentecostal… e a segunda pergunta: como está sendo levada em consideração a prática da misericórdia? A prática da justiça e da fidelidade no seguimento de Jesus Cristo? Será que estamos na linha da exterioridade e sem esquecer isto estamos deletando a justiça da prática de nossos grupos, Paróquias e idem com a misericórdia e a fidelidade.
Por :Almir Magalhães, padre da Arquidiocese de Fortaleza.
Do Jornal O Povo
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