quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O catecumenato antigo: prática e doutrina

Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)

Introdução
A catequese ganha referência em nossas Igrejas Particulares, paróquias, comunidades, pastorais e movimentos, porque ela é o anúncio da Palavra do Senhor para as crianças, para os jovens e para os adultos. O processo formativo é gradual e permanente. Com alegria nós vemos também a aproximação de muitos adultos à fé cristã, católica solicitando os sacramentos, sobretudo os da iniciação cristã. No Brasil, um fator positivo é que nesses últimos anos muita literatura está sendo elaborada a respeito da catequese com inspiração catecumenal, ao processo de introdução dos mistérios pelos sacramentos do batismo, confirmação e eucaristia. Perguntamo-nos: Como essa prática e doutrina ocorreram no início do cristianismo?

Entre os séculos terceiro até quinto teve na antiguidade cristã, uma rica e original instituição pastoral graças à qual a Igreja expressou a sua vocação missionária, exercitou a sua função materna em acolher e formar com seriedade e serenidade os novos fiéis para assim serem gerados à vida nova em Cristo e na Igreja. O catecumenato antes de ser uma disciplina institucionalizada e oficialmente aprovada foi uma organização que nasceu da experiência por se consolidar no interior das Igrejas locais.

1. O que foi o catecumenato antigo?
Na documentação patrística é difícil encontrar o termo catecumenato o qual indicava o tempo de formação para aqueles e aquelas que recebiam uma instrução oral. No fim do segundo século as pessoas que desejavam tornarem-se cristãos eram acolhidas na comunidade eclesial entre os aspirantes ao batismo com o nome de catecúmenos. A preparação ao batismo se articulava em duas etapas: uma remota, na qual os candidatos recebiam o nome de catecúmenos e uma próxima que habitualmente coincidia com a quaresma, aonde os inscritos ao batismo chamavam-se competentes ou eleitos no Ocidente e iluminandos no Oriente. As duas categorias de candidatos: catecúmenos e competentes eram preparados ao batismo. Por isto podemos dizer que o catecumenato antigo no sentido forte da palavra era o tempo da formação daqueles e daquelas que desejavam tornarem-se cristãos; compreendia a primeira acolhida dos novos membros na comunidade cristã até o limiar do batismo, confirmação e eucaristia.
2. O desenvolvimento do catecumenato antigo
A primeira grande testemunha de uma organização para um caminho formativo em direção ao batismo nós encontramos na metade do segundo século com Justino. No entanto será ao final do segundo e início do terceiro século que o catecumenato assume uma estrutura orgânica e foi documentado nas principais Igrejas do Oriente e do Ocidente. As testemunhas mais significativas foram: Hipólito, Tertuliano e Orígenes. Muitos foram os fatores que possibilitaram a instituição do catecumenato no terceiro século: antes de tudo a influência da tradição judaica que exigia a preparação para as pessoas ingressarem na religião hebraica. Depois, o surgimento das perseguições, o fenômeno dos lapsis ou apóstatas, a difusão de seitas e de grupos cristãos heterodoxos que se desenvolveram e conseguiam adeptos entre os fiéis da Igreja; isto fez advertir a exigência de uma formação mais aprofundada e organizada para aqueles que se aproximavam à fé para tornar-se cristãos. Por fim, um rigorismo representado em modo particular em Roma por Hipólito, em Cartago por Tertuliano e em Alexandria por Orígenes uma vez que estes contribuíram para uma organização exigente e severa da preparação ao batismo.

3. A doutrina do catecumenato
A formação do novo membro no caminho catecumenal se fundava sobre uma tríplice experiência: ouvir a palavra de Deus de uma forma especial com a catequese, exercícios ascético-penitenciais, enfim ritos e celebrações. Na realidade estes três aspectos eram interligados em vista do crescimento espiritual dos candidatos no caminho ao batismo. Hipólito, Tertuliano e Orígenes falavam desta tríplice dimensão do processo formativo.
A catequese segundo os Padres tinha como objetivo suscitar no candidato uma reposta de fé e uma transformação na sua vida. Os exercícios ascético-penitenciais eram numerosos e também exigidas obras de caridade em vista do processo catecumenal visando à conversão das pessoas. Os exorcismos eram ritos de purificação e com a ajuda do Senhor permitiam a quebra das correntes com o espírito do mal. Depois de alguns dias tinha a entrega do Símbolo e a sua devolução, feita publicamente como lembra a peregrina de Egéria(século quarto), pelo bispo com a presença dos fiéis, cujo significado como lembra Santo Agostinho é apresentado como regra da fé, síntese de tudo quanto se deve crer para a salvação.
O crescimento espiritual aos inscritos do batismo se cumpria na comunidade eclesial. Os novos fiéis eram formados no seio da Igreja, aonde cresciam na fé e no comportamento para assim ser gerados à vida nova com o batismo. Merecia uma atenção particular a missão desenvolvida dos garantes-padrinhos, sendo fiéis batizados, leigos e leigas, que procuravam acompanhar espiritualmente os novos simpatizantes à fé. Estes eram uma expressão viva da função missionária e materna da Igreja.

4. O itinerário do catecumenato
Ao fim da formação catecumenal o candidato era admitido ao batismo. Seguiam os ritos pertencentes ao batismo. Antes de tudo a benção da água, com uma oração. Em algumas igrejas o candidato completamente nu, vinha ungido em todo o seu corpo. Para Ambrósio de Milão e João Crisóstomo a unção simbolizava a ajuda para fortificar o corpo no combate cristão. Depois se entrava no coração do ato batismal, que nos séculos quarto e quinto eram por imersão. As fórmulas batismais quase sempre trinitárias eram essencialmente duas: uma tríplice interrogação dirigida ao candidato: Crês em Deus Pai... crês em Jesus Cristo.. crês no Espírito Santo? ou também usando o verbo na forma passiva: Tal... é batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Depois seguiam os ritos pós-batismais.
A unção da crisma, que mais tarde derivaram os nomes de Crisma no Oriente e em Roma de confirmação dada pelo bispo. O rito da veste branca é presente em numerosas testemunhas do quarto e quinto século tanto em Ocidente como no Oriente; símbolo da inocência batismal para Ambrósio e do esplendor da alma.
Enfim a iniciação sacramental terminava com a celebração da eucaristia; os neófitos saídos do batistério entravam em fileira na sala da eucaristia, aonde eram acolhidos pela comunidade dos fiéis. Habitualmente eles ocupavam um lugar a eles reservado e pela primeira vez tomavam parte à celebração eucaristia, que iniciava com o ofertório e se aproximavam à mesa eucarística. Para Teodoro de Mopsuéstia o neófito completava com sua participação ao mistério pascal e assim era plenamente inserido na Igreja.
Na semana seguinte da Páscoa, especialmente nos séculos quarto e quinto, ordinariamente os recém batizados eram introduzidos à compreensão dos mistérios celebrados na vigília pascal com catequeses mistagógicas que eram dadas habitualmente pelo bispo. Enfim como nos lembra Agostinho, no domingo in albis os que receberam os sacramentos da iniciação cristã depositavam as suas vestes brancas e abandonados os postos a eles reservados se misturavam à multidão dos fiéis.
5. A decadência do catecumenato antigo
Com a paz de Constantino o catecumenato tornava-se uma práxis difundida praticamente em todas as Igrejas, sofrendo algumas alterações porque o cristianismo era tolerado e ao final do século quarto reconhecido como religião oficial.
Este fenômeno contribuiu para um afrouxamento da disciplina catecumenal. Assim o tom espiritual das comunidades cristãs foi decaindo: o fato é compreensível porque as perseguições terminaram, também se a lembrança dos mártires deveria ser uma forma de chamar a atenção para a autenticidade cristã; o número daqueles e daquelas que acreditavam aumentou rapidamente, com a conseqüência que a quantidade não era acompanhada pela qualidade.
Enfim a celebração do batismo prevista na Igreja central com a presença do bispo sempre mais se cumpre nas igrejas paroquiais com a conseqüência no Ocidente da separação da confirmação reservada ao bispo dos outros sacramentos da iniciação cristã. Por isto o progressivo declínio do catecumenato é ligado estreitamente à nova situação religiosa, pastoral, aonde a maioria da população já era cristã, a Igreja tinha uma forte presença social e também pela generalização do batismo da crianças.

Conclusão
O catecumenato antigo compreendia um processo de acolhida, acompanhamento, formação e experiência sacramental na qual a pessoa se convertia e tornava-se cristã. O objetivo do catecumenato era levar o futuro membro pelo batismo à participação do mistério da morte e ressurreição de Cristo, receber pela confirmação, a plenitude dos dons do Espírito Santo, e pela eucaristia unido ao corpo e sangue de Cristo. Todo o processo terminava com as catequeses mistagógicas dadas à semana seguinte da Páscoa, isto é na oitava pascal. É importante o conhecimento deste itinerário formativo para que hoje as pessoas sejam discípulos, discípulas, missionários e missionárias de Jesus Cristo, sejam atuantes na vida da Igreja, na sociedade e um dia pela graça de Deus, participantes de seu Reino.
Bibliografia:
Cavallotto, Giuseppe. Catecumenato Antico. EDB. Bologna, 1996.
Catecumenato/Discepolato. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, A-E. Marietti, Genova-Milano, 2006.
Fonte: CNBB

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