quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O rosto do terror

Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre (RS)

Recentemente, fomos informados a respeito de atos terroristas ocorridos na França e na Bélgica. Não se pode, porém, esquecer atos de terror que acontecem em outras regiões do mundo.

Aos fatos ocorridos na França e na Bélgica se seguiram manifestações de emoção, dor e indignação diante do horror. Certamente é necessário se opor, criticar, denunciar tal tipo de ação.
Atos terroristas são manifestações de crueldade humana e causam indignação. Maior indignação produzem quando são expressão de não aceitação da diferença e, consequentemente, da liberdade de expressão. Onde a liberdade de expressão é ameaçada ou não existe, onde a diferença não é respeitada, ali há perigo e ali a tragédia se aproxima.
A pergunta que se impõe é: qual a origem de tamanha selvageria? As respostas podem ser variadas. Não esqueçamos os fatos do 11 de Setembro, com seus distintos desdobramentos mundo afora. Por trás dos movimentos que alimentam tais atos, está a rejeição do modo de viver ocidental, da democracia, do princípio da liberdade em suas distintas conotações, do modo de conceber as relações homem-mulher, do consumismo... O fundamentalismo que caracteriza tais movimentos se difunde através de indivíduos, de pregadores auxiliados pelas redes de comunicação social.
Os movimentos arregimentam membros, principalmente, entre emarginados e desocupados; também encontram simpatizantes onde impera o vazio espiritual, a falta de referenciais seguros, de valores. Também uma laicidade desfocada que priva o espaço público da dimensão religiosa pode cooperar no fomento de tais atos extremos. Nesse sentido, vale recordar que não se pode transcurar o auxílio sempre necessário no itinerário de integração espiritual dos indivíduos. Além disso, há de se conceder a devida atenção à base familiar, pessoal, comunitária, por vezes, marcada por uma educação deficitária e parcial.
O fundamentalismo pode assumir diferentes formas. No entanto, em sua base sempre está uma pessoa que se torna escrava de uma ideologia, de uma religião; como também, por vezes, se torna escrava da moda, do poder, do dinheiro, do conforto, do estético. Assim, a ética perde seu lugar, a simplicidade deixa de ter sua validade, o despojamento passa a ser considerado ridículo, a religião torna-se algo ultrapassado, a diversidade algo a se combater.
Atos terroristas são aberrações! Ao mesmo tempo, porém, se faz necessário um apelo à responsabilidade e ao senso do limite. Certamente, a liberdade de expressão não é sem limites e nem onipotente; ela precisa se conjugar também com a liberdade de consciência, de culto e de religião. Os direitos individuais estão entrelaçados com os direitos dos demais e com o bem comum da sociedade. A própria liberdade tem seu limite no princípio do bem comum e na convivência pacífica.
Atos terroristas atingem toda a sociedade. Ora, a sociedade deve permitir a todos viver e conviver, respeitando as diferenças. O estado seguramente é laico, mas não a sociedade. Por isso, crenças e sentimentos religiosos são respeitados e promovidos. Afinal, “a religião tem que ter um poder saudável, que sirva às dimensões humanas para o encontro com Deus e a plenitude da pessoa. Tem que ser um poder propositivo: eu ajudo”. (J. Bergoglio).
Os atos terroristas noticiados recentemente aconteceram na França e na Bélgica. No entanto, expressões da motivação dos mesmos podem ser detectadas também em outras realidades quando, por exemplo, se ridiculariza a identidade sexual de uma pessoa, se faz brincadeiras de mau gosto em relação à cor da pele de alguém, se caçoa da origem de alguém, se menospreza a fé religiosa que o individuo cultiva e sustenta, se despreza e delapida o bem público, se ignora os pobres.
Fonte: CNBB

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