Ouve-se muito as pessoas comentar
que não veem grandes diferenças nas propostas apresentadas pelos
candidatos dos mais diversos partidos e coligações na atual campanha
eleitoral. De certo modo isso confirma a interpretação
político-ideológica de vários analistas de nossa situação presente. O
que caracteriza essa conjuntura para essa corrente de pensamento é o
desaparecimento da contraposição radical de posturas: estaríamos em
plena feira ideológico-político-partidária, um cenário que leva a
justificar alianças absurdas que se apresentam como legítimas pelos
resultados que o governo tem conseguido no campo das políticas sociais.
Muitos insistem no fato fundamental de
que hoje muitas famílias tenham saído da pobreza ou da miséria, tenham
conseguido um emprego com todas as garantias trabalhistas e que as
políticas de cotas tenham levado muitos jovens da periferia para o
ensino superior.
O professor de filosofia na USP V.
Safatle, por exemplo, considera nosso momento marcado por um
conservadorismo que é filho bastardo do “lulismo” definido pela aliança
de setores da esquerda brasileira e alas de políticos conservadores à
busca de sobrevida. Essa aliança tornou possível tanto a constituição de
um sistema de seguridade social até hoje inédito em nosso país quanto a
ascensão econômica de grandes parcelas da população brasileira por
meio, sobretudo, da ampliação do consumo.
Para Safatle, tal ascensão foi capaz de
gerar um sentimento de cidadania, mas não passou pelo acesso a serviços
sociais ampliados e consolidados em sua qualidade. Essa ascensão
significou, além de uma importante expansão das universidades federais,
poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular,
eletrodomésticos e frequentar universidade privada. Isso significa dizer
que os direitos da cidadania foram interpretados como direitos do
consumidor.
Defende-se, contudo, a ideia de que
essas medidas, apesar de significativas, não são capazes de romper com
as raízes mais profundas das desigualdades que historicamente têm
marcado nossa formação social. É nesse sentido que hoje se costuma dizer
que acabou a diferença entre direita e esquerda. Aqui se pensa esquerda
como postura ou movimento que luta por mudanças estruturais
direcionadas para a igualdade e a justiça social e ecológica. A
afirmação vai na direção de dizer que no Brasil de hoje todos se situam
no centro com exceção dos pequenos partidos ideológicos que praticamente
não pesam no cenário político.
Com isso ocorre, na realidade, um enorme
encurtamento do horizonte da ação política o que a faz incapaz de
responder ao grande desafio de nossa situação: a busca de instituições e
mecanismos capazes de efetivar uma configuração nova da vida coletiva,
uma sociedade em que todos os direitos sejam reconhecidos, promovidos e
efetivados para todas as pessoas num mundo em que a terra tem o direito
de manter-se com as energias que a fazem fonte de vida.
Nessa perspectiva, a democratização de
nossa vida passa por mudanças profundas do atual sistema centralizado
com reformas estruturais abrangentes que realizem o objetivo básico
estabelecido na Constituição: a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária.
Filósofo e professor da UFC. Padre da Arquidiocese de Fortaleza - manfredo.oliveira@uol.com.br
Artigo publicado no jornal O Povo,
domingo, 16 de setembro de
2012: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/09/15/noticiasjornalopiniao,2920393/embotamento-ideologico.shtml
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